Todxs concordam, isto está prestes a explodir!
Devemos tirar também algumas lições dessa situação lamentável. Algo que ficou bem claro aqui, é que algumas formas de autoritarismo não passam pelo crivo sagrado da esquerda: o econômico. Simplesmente substituir o modo-de-produção capitalista e o Estado pela Autogestão e Socialismo Libertário, respectivamente, não é o suficiente. A heterossexualidade como regime político nos mostra isso, ao criar mais um algoz e uma sobrevivente. Trata-se aqui da ordem da produção de desejos, das subjetividades e das relações cotidianas: é exatamente aqui que começa também a resistência!
E mais, não devemos encarar isso como um ato de “um monstro”, um “surto psicótico” e muito menos como uma “briga de casal”, isoladas no espaço-tempo, entre uma vida relativamente serena. Aqueles que agridem companheirxs ou os que estupram mulheres ou espancam travestis e homossexuais não são “monstros” que “surtaram”, são um fruto ‘normal’ e previsível de uma sociedade que produz e regula - normatizando, normalizando, patologizando, marginalizando e excluindo - performances de gênero que reproduzem padrões binários de masculinidade e feminilidade e de heterossexualidade, em outras palavras, são fruto da heterossexualidade como regime político. Podem ser o seu vizinho, o seu pai, a sua chefe, ou mesmo seu companheiro de coletivo.
Em primeiro lugar, queremos aqui, mesmo que através das mediações tecnológicas e simbólicas (com todas suas friezas e contradições), prestar solidariedades e apoio x companheirx Paula. Imaginamos (sim, não temos a falsa pretensão de se colocar no lugar de umx sobrevivente. Somente elx sabe o que passou!) o quão difícil deve ser ter de lidar com esse tipo de situação. Vergonha e medo da reação de parentes, amigxs ou mesmo da polícia, ao fazer o B.O. (Aliás, lidar com a polícia em si, já é um caso a parte). Ter de se explicar a todo momento, já que a Cultura de Estupro faz um verdadeiro escárnio dx sobrevivente: colocando sempre em cheque a veracidade de seu discurso. Ter de lidar com possível represálias e etc.
Sabemos que estamos distantes subjetiva e geograficamente, entretanto, achamos necessário mostrar que, mesmo que minimamente, estamos dispostxs a ajudar, nem que com palavras; aliás, não negamos o poder das palavras, ainda mais numa sociedade onde as pessoas parecem não compactuar de uma linguagem comum. Falamos aqui, a linguagem dxs subalternxs, excluidxs, submetidxs, espancadxs, ridicularizadxs, desacreditadxs; a linguagem que combate a heterossexualidade como regime político (e todas as formas de dominação e assujeitamento) no cotidiano; a linguagem da solidariedade e do apoio; falamos uma linguagem menor.
Mais preocupados com o falatório do que com qualquer outra coisa, os R2-D2 lançam-se, acotovelando-se para ver quem dá o comentário mais ácido pelos seus Blueberrys: “Quero ver o que os amigos dele vão dizer agora!” “Eu sabia, ele sempre foi um babaca”. Parece que a preocupação em apoiar x sobrevivente e a responsabilização do agressor é só um mero acaso, um detalhe que se responde assim que alguém te chama atenção no mural do Fachobuk. E xs oportunistas também aparecem nessa hora: todxs querem ser xs bastiões do Apoio. Existem até aqueles que fecham os olhos para agressões que acontecem ao seu lado, com amigos agredindo suas namoradas, mas que agora, quando é em outra cidade, outro estado, não perdem tempo em prestar sua “solidariedade” e denunciar o agressor! O falatório, assim como o oportunismo é um fenômeno pequeno-burguês, como diria Walter Benjamim, e héterocapitalista, acrescentaríamos nós. Ele não fomenta discussões, não gera apoio e nem oferece soluções, somente garante diversão pra classe média branca, cis e heterossexual e exatamente por isso deve ser combatido!
É extremamente necessário que nesses momentos, nos foquemos no apoio x sobrevivente. Sua palavra tem de ser – acima de qualquer coisa – encarada como verdade, se queremos de fato escapar das reterritorializações da Cultura de Estupro. Apoio psicológico, subjetivo e afetivo é essencial para a sobrevivente e todos os meios são encorajados (especialmente por parte de amigxs): carinhos, telefonemas, cartas, acompanhar em idas a delegacia ou passeios para relaxar, até mesmo presentear com spray de pimenta e facas etc. Aquelxs que estão próximos do agressor devem tratar de responsabiliza-lo e esse processo de responsabilização é amplo e demorado. Fazer o agressor, em primeiro lugar, compreender as consequências materiais que sua agressão heterossexista provocou nx sobrevivente e à sua volta é o primeiro passo. Daquelxs que não são próximos dx agressor a responsabilização vem de outras formas: denúncias, cartas abertas, escrachos, atos, até mesmo uma ação direta, dependendo do caso. Obviamente, se há alguma proximidade com a sobrevivente, é interessante que se consulte a opinião delx, para saber até que ponto elx concorda com os métodos e com o tipo de ação que será levada a cabo.
Não temos a pretensão nenhuma aqui. Somente sentimos a necessidade de expor nossa solidariedade e apoio para com x sobrevivente, fazer algumas reflexões mais gerais sobre o ocorrido e compartilhar alguns possíveis caminhos para ajudar a lidar com essa situação. É importante que pensemos como podemos ajudar afetiva e materialmente nesse tipo de situação. É preciso que pensemos em nossas relações cotidianas, e avaliemos se em alguma medida, estamos reproduzindo performances heterossexistas que levam a situações como essas, de modo que evitemos agressões como essas. É preciso que cuidemos de nós, de nossxs amigxs, companheirxs, de nossa comunidade e de nossa manada! “Nenhuma agressão ficará sem reposta”, mais do que um jargão empoderador, deve funcionar como um propulsionador político, que estimula ações concretas de apoio, responsabilização e de combate anti-heterossexista, aqui e agora!
Paula, conte conosco!!!
Heteronormais, nos vemos nas ruas...
Atencionsamente:
Departamento de Terrorismo Performático de Gênero
Coletivo Bonnot