sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Todxs concordam, isto está prestes a explodir!


Todxs concordam, isto está prestes a explodir!




Na manhã do dia 05/11/2012 nos deparamos com uma notícia, que sob vários aspectos reflete o quadro miserável da vida cotidiana sob a civilização heterocapitalista: um corpo biopolíticamente associado ao gênero mulher foi agredida por um ex-companheiro. Entretanto, não foi uma agressão qualquer, em primeiro lugar porque conhecíamos intimamente o agressor. “Treta-se” de Gustavo Oliveira (xGustavinhox - Nieu Dieu Nieu Maitre e Holodomor, MPL-PR e CMI-PR, Ocupação Social J13), um atual ex-companheiro de lutas de  longa data (nem tão longa assim). Outro aspecto importante para nos atermos é que trata-se de uma agressão feita por uma auto-proclamado anarquista. Isso serve, antes de mais nada, para nos chamar atenção de que as identidades (mesmo as mais radicais) podem servir para mascarar assimetrias de poder, esconder os lugares de fala, mais do que se posicionar frente a uma situação. As famosas “carteiradas” (“Mas eu sou anarquista”, “Que nada, elx é queer”), são, muitas vezes, a materialização tragicômica de uma covardia política, que esconde o seu medo e seus autoritarismos atrás de uma pretensa tradição política respaldada. A questão que Michel Foucault traz, pulveriza essa prática tacanha, ao colocar a dimensão das práticas (cotidianas) à tona e ao explicitar os papeis potencialmente covardes das identidades: “Como fazer para não se tornar um fascista, mesmo quando (sobretudo quando) se crê ser um militante revolucionário?”


Devemos tirar também algumas lições dessa situação lamentável. Algo que ficou bem claro aqui, é que algumas formas de autoritarismo não passam pelo crivo sagrado da esquerda: o econômico. Simplesmente substituir o modo-de-produção capitalista e o Estado pela Autogestão e Socialismo Libertário, respectivamente, não é o suficiente. A heterossexualidade como regime político nos mostra isso, ao criar mais um algoz e uma sobrevivente. Trata-se aqui da ordem da produção de desejos, das subjetividades e das relações cotidianas: é exatamente aqui que começa também a resistência!


E mais, não devemos encarar isso como um ato de “um monstro”, um “surto psicótico” e muito menos como uma “briga de casal”, isoladas no espaço-tempo, entre uma vida relativamente serena. Aqueles que agridem companheirxs ou os que estupram mulheres ou espancam travestis e homossexuais não são “monstros” que “surtaram”, são um fruto ‘normal’ e previsível de uma sociedade que produz e regula - normatizando, normalizando, patologizando, marginalizando e excluindo - performances de gênero que reproduzem padrões binários de masculinidade e feminilidade e de heterossexualidade, em outras palavras, são fruto da heterossexualidade como regime político. Podem ser o seu vizinho, o seu pai, a sua chefe, ou mesmo seu companheiro de coletivo.


Em primeiro lugar, queremos aqui, mesmo que através das mediações tecnológicas e simbólicas (com todas suas friezas e contradições), prestar solidariedades e apoio x companheirx Paula. Imaginamos (sim, não temos a falsa pretensão de se colocar no lugar de umx sobrevivente. Somente elx sabe o que passou!) o quão difícil deve ser ter de lidar com esse tipo de situação. Vergonha e medo da reação de parentes, amigxs ou mesmo da polícia, ao fazer o B.O. (Aliás, lidar com a polícia em si, já é um caso a parte). Ter de se explicar a todo momento, já que a Cultura de Estupro faz um verdadeiro escárnio dx sobrevivente: colocando sempre em cheque a veracidade de seu discurso. Ter de lidar com possível represálias e etc.


Sabemos que estamos distantes subjetiva e geograficamente, entretanto, achamos necessário mostrar que, mesmo que minimamente, estamos dispostxs a ajudar, nem que com palavras; aliás, não negamos o poder das palavras, ainda mais numa sociedade onde as pessoas parecem não compactuar de uma linguagem comum. Falamos aqui, a linguagem dxs subalternxs, excluidxs, submetidxs, espancadxs, ridicularizadxs, desacreditadxs; a linguagem que combate a heterossexualidade como regime político (e todas as formas de dominação e assujeitamento) no cotidiano; a linguagem da solidariedade e do apoio; falamos uma linguagem menor. 


Mais preocupados com o falatório do que com qualquer outra coisa, os R2-D2 lançam-se, acotovelando-se para ver quem dá o comentário mais ácido pelos seus Blueberrys: “Quero ver o que os amigos dele vão dizer agora!” “Eu sabia, ele sempre foi um babaca”. Parece que a preocupação em apoiar x sobrevivente e a responsabilização do agressor é só um mero acaso, um detalhe que se responde assim que alguém te chama atenção no mural do Fachobuk. E xs oportunistas também aparecem nessa hora: todxs querem ser xs bastiões do Apoio. Existem até aqueles que fecham os olhos para agressões que acontecem ao seu lado, com amigos agredindo suas namoradas, mas que agora, quando é em outra cidade, outro estado, não perdem tempo em prestar sua “solidariedade” e denunciar o agressor! O falatório, assim como o oportunismo é um fenômeno pequeno-burguês, como diria Walter Benjamim, e héterocapitalista, acrescentaríamos nós. Ele não fomenta discussões, não gera apoio e nem oferece soluções, somente garante diversão pra classe média branca, cis e heterossexual e exatamente por isso deve ser combatido!


É extremamente necessário que nesses momentos, nos foquemos no apoio x sobrevivente. Sua palavra tem de ser – acima de qualquer coisa – encarada como verdade, se queremos de fato escapar das reterritorializações da Cultura de Estupro. Apoio psicológico, subjetivo e afetivo é essencial para a sobrevivente e todos os meios são encorajados (especialmente por parte de amigxs): carinhos, telefonemas, cartas, acompanhar em idas a delegacia ou passeios para relaxar, até mesmo presentear com spray de pimenta e facas etc. Aquelxs que estão próximos do agressor devem tratar de responsabiliza-lo e esse processo de responsabilização é amplo e demorado. Fazer o agressor, em primeiro lugar, compreender as consequências materiais que sua agressão heterossexista provocou nx sobrevivente e à sua volta é o primeiro passo. Daquelxs que não são próximos dx agressor a responsabilização vem de outras formas: denúncias, cartas abertas, escrachos, atos, até mesmo uma ação direta, dependendo do caso. Obviamente, se há alguma proximidade com a sobrevivente, é interessante que se consulte a opinião delx, para saber até que ponto elx concorda com os métodos e com o tipo de ação que será levada a cabo.


Não temos a pretensão nenhuma aqui. Somente sentimos a necessidade de expor nossa solidariedade e apoio para com x sobrevivente, fazer algumas reflexões mais gerais sobre o ocorrido e compartilhar alguns possíveis caminhos para ajudar a lidar com essa situação. É importante que pensemos como podemos ajudar afetiva e materialmente nesse tipo de situação. É preciso que pensemos em nossas relações cotidianas, e avaliemos se em alguma medida, estamos reproduzindo performances heterossexistas que levam a situações como essas, de modo que evitemos agressões como essas. É preciso que cuidemos de nós, de nossxs amigxs, companheirxs, de nossa comunidade e de nossa manada! “Nenhuma agressão ficará sem reposta”, mais do que um jargão empoderador, deve funcionar como um propulsionador político, que estimula ações concretas de apoio, responsabilização e de combate anti-heterossexista, aqui e agora!



Paula, conte conosco!!!

Heteronormais, nos vemos nas ruas...


Atencionsamente:

Departamento de Terrorismo Performático de Gênero
Coletivo Bonnot

segunda-feira, 28 de maio de 2012




A próxima edição do evento "Margens da Cidade: das favelas às ocupações urbanas" contará com a participação de:

Luiza: Quilombo das guerreiras

Jorge: Vila Recreio II

Mauricio Campos: Rede contra a violência.

Será no Instituto de Medicina Social - IMS da UERJ, no sétimo andar, sala 7001. Dia 06 de junho de 2012 às 18hs.
Grande abraço e esperamos tod*s.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Somos Quilombo Rio dos Macacos



Doações todas as quartas no Sarau Bem Black em Salvador. http://saraubemblack.blogspot.com.br/

sexta-feira, 16 de março de 2012

Civilização e identidade

O nascimento da civilização não se deu apenas no plano das técnicas, com a sedentarização, domesticação, sistemas de irrigação e distribuição de produção. O nascimento da civilização é o nascimento de uma identidade. Inicia-se a história. Separe-se no momento de sua aurora o “Eu” civilizado do “Outro” selvagem/animal. A organização do pensamento religioso é uma ilustração para tal afirmação. Diz-se que mesmo no Paleolítico já existem referências a um mundo sobrenatural. Afirma-se isso por meio de pinturas rupestres interpretadas como deuses de
fertilidade/fecundidade. Nestas aparecem figuras que se assemelham a uma mistura de seres humanos com animais, figuras de animais enormes e figuras do que poderia se chamar de Deusa-mãe. Por vezes essa aparece em posições sexuais com animais ou mesmo seres híbridos. Tais pinturas, além de mostrar o desenvolvimento de um pensamento abstrato nos seres humanos “fora da história”, permitem a visualização de uma relação na qual é difícil separar o “eu” ser humano do “outro” animal/floresta. Uma relação na qual vê-se, por exemplo, uma relação entre humano e animal não humano de temor, enfrentamento, mas também mistura, apreciação, reflexo.


Com o Neolítico, as figuras se transformam: os animais não humanos, agora domesticados, passam a um papel marginal. Caracterizam-se de maneira efetiva deuses, não só se assemelhando a seres humanos, mas a homens. O pensamento abstrato civilizatório se constrói,
também, por meio da construção de uma identidade e da afirmação de uma identidade de homem civilizado. Aquele mesmo que se assemelha aos deuses. O conjunto de deuses especializa-se. Cada gérmen de cidade possui seus deuses específicos, por vezes o combate entre deuses torna-se o combate efetivo entre cidades. A abstração e a realidade imbricam-se. Os seres humanos cada vez mais se especializam. Ou seja, a forma igualitária de relação entre integrantes de um bando e suas atividades é suprimida por identidades/especialidades. Não somos todxs caçadorxs-coletorxs, “sou” sacerdote, “sou” agricultor, “sou” soldado, “sou” artesão, “sou” rei. Importante salientar que as especialidades/identidades não se afirmam horizontamente, mas se impõe violentamente uma sobre as outras. Afinal, quando se estipula o “eu” estipula-se o “outro”.

Tal construção de identidades assume um caráter multilinear. A construção da identidade civilizatória é sempre uma submissão a uma força externa e uma submissão a uma suposta essência interna. Aquele que se assume como rei, é compreendido como rei, pois é submetido à identidade “rei” pelos deuses. (Apesar de poder em alguns casos se assemelhar a um deus, o rei, hierarquicamente, ainda é submisso a esses). Aquele que se assume “súdito”, é compreendido como súdito pelo rei e pelos deuses. As identidades/especialidades se hierarquizam violentamente por todo o desenvolvimento do que conhecemos como civilização. Mas em algumas comunidades o sobrenatural ainda permite afirmar que depois da vida aquele que é súdito e aquele que é rei podem habitar o mesmo terreno dos mortos. Um “paraíso” que assemelhasse a uma recompensa pela vida de súdito e, ao mesmo tempo, um “paraíso” que legitima a subordinação.

Passa-se assim de forma grosseira para os tempos atuais, nos quais as identidades se multiplicam, assim como se multiplicam as formas de coloca-las expostas ao julgamento ou apreciação de outras identidades. Mesmo nos agrupando sob “comunidades” (“somos” ciclistas de fixa, “somos” fora-do-eixo, “somos” isso, “somos” aquilo) o que ocorre ainda é uma submissão a uma certa identidade e sua respectiva afirmação sobre outras identidades. Mesmo por meio de uma identidade “comum” o comum se perde. Mesmo existindo uma liberdade de escolher “quem eu sou” ainda estamos presos à necessidade de dizer “eu sou”.



A continuidade do papel da identidade no Neolítico, nos Impérios Despóticos, nas cidades gregas, aquele que liga o “eu” interior ao “eu” no mundo social, ou seja, aquele papel de definir a partir de quem “sou eu” o meu status social e meus respectivos méritos mantem-se vivo nos tempos atuais. O que diferencia nossos tempos atuais é a multiplicação de formas de afirmação/submissão ao “eu”. Exemplo são as diversas redes sociais e os diversos dispositivos que podem nos manter conectados quase que permanentemente a essas identidades. Nesse caso, em tempos de deus-capitalismo, nossas identidades tornam-se diretamente cifras para o rei-facebook.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Pela Moradia

Sítio que faz convergir as diversas informações sobre a luta por moradia no Brasil. De grande importância para verificarmos que o que aconteceu em Pinheirinho, por exemplo, acontece também no Rio, em Salvador, em Porto Alegre e por aí vai. O que demonstra que a resistência urbana deve ser local, mas solidária e integrada às outras lutas regionais.

http://pelamoradia.wordpress.com/

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Atividade sobre gentrificação e as transformações urbanas no Brasil em Rouen (França)

O objetivo da atividade é apresentar algumas das últimas estratégias
do poder privado e público na gestão da cidade do Rio de Janeiro. As
transformações urbanas consequência das Olimpíadas e a Copa do Mundo
são apenas um exemplo dentre muitos: como as UPPs, a revitalização da
zona portuária, o choque de ordem, entre outras. Um processo amplo de
expulsão dos pobres e gestão da cidade visando o mercado financeiro
global. Além de apresentar essas estratégias esperamos poder trocar
ideias sobre os processos de gestão urbana e gentrificação e as formas
de resistência existentes e possíveis.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O caso Pinheirinho

O terreno no qual foi construída a comunidade Pinheirinho faz parte da massa falida da empresa Selecta de Naji Nahas. Inicialmente, para tratar de tal caso, precisa-se desfazer o mito de igualdade de oportunidades. Principalmente em um país historicamente marcado pelo colonialismo e pela escravidão como o Brasil. Peter Singer expõe que “a igualdade de oportunidades é praticamente irrealizável”, devido às diferenças de capacidades, contextos, histórias, e deixa clara a necessidade de “tratamento preferencial a membros de grupos menos favorecidos” (Singer 2009, 54). No caso tratado temos os interesses de famílias que buscaram ocupar uma área abandona para construir suas moradias na periferia da cidade de São José dos Campos e do outro lado temos os interesses de um especulador financeiro que chegou ao país com “ao menos 50 milhões de dólares para investir” (Carta Capital 2012). No conflito entre um interesse fundamental, a moradia, de milhares de pessoas e interesses financeiros do dono de uma empresa falida, prevaleceram esses últimos.

Por quase uma década, mais de cinco mil pessoas moravam na comunidade Pinheirinho. No dia 22 de janeiro de 2012. A operação com mais de mil indivíduos da polícia militar do estado de São Paulo e da guarda municipal da cidade de São José dos Campos se iniciou às seis da manhã de um domingo. Não só sem aviso prévio, mas em desrespeito a um acordo prévio que adiava a reintegração de posse e a uma decisão da Justiça Federal contra a desocupação. A operação deu-se com a utilização de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e há relatos de tiros de armas de fogo, assim como de morte de moradores.

Diversos relatos, matérias, fotos e vídeos difundidos pela rede de computadores expõem a desproporção da ação policial, que contou com helicópteros e com a tropa de choque. Do outro lado, pessoas correndo com alguns poucos pertences, tentando se proteger dos ataques. Mesmo a anterior elaboração para alguma resistência por parte das pessoas moradoras, que se constituía por materiais improvisados, como galões de plásticos e antenas transformados em escudos, possuía um valor simbólico maior do que prático, tendo em vista que não podia se comparar aos aparatos não letais e, como visto em vídeos e relatado pelos presentes no desalojo, letais da polícia. Além desse fato, tal resistência não se deu efetivamente. Um acordo que suspendia a reintegração de posse por 15 dias - conciliado entre advogados das pessoas moradoras de Pinheirinho, representantes políticos federais e estaduais, e representantes da massa falida da empresa - tranquilizou momentaneamente as pessoas, desestruturando uma possível resistência e incidindo, às seis horas da manhã de um domingo chuvoso sem avisos prévios, sobre as famílias que residiam no local. “O elemento surpresa foi o sucesso da ação, segundo a PM” (Estadão 2012).

A urgência da reintegração de posse não foi justificada por nenhuma das instâncias envolvidas. Divulgado em sítio virtual de notícias (G1 2012), o governador de São Paulo afirmou que não havia outra opção senão acatar e executar a decisão judicial: “A decisão é uma decisão judicial, que a polícia é requisitada para fazer a execução”. A afirmação aplica à situação um tom meramente prático, ou seja, em detrimento ás questão ético-políticas imbricadas no caso. O prefeito da cidade de São José dos Campos afirma em vídeo divulgado no sítio virtual da prefeitura, originalmente publicado virtualmente por sítio de notícias (Vnews 2012), que existem “ 250 famílias em abrigamento”. Como também que “o número é de 2850 pessoas e não de 8000 como eles [movimento social] disseram esses anos todos”. Afirmações que parecem buscar uma amenização dos fatos por meio da redução do número de pessoas atingidas, acabam por demonstrar a desproporção ainda maior da ação da polícia estadual e municipal.

A tentativa dupla de amenizar as ações governamentais e desqualificar o movimento social se desenvolve no discurso do prefeito. Sobre a discrepância dos números apresentados pelo movimento social e parte da mídia ele afirma que “como era um gueto no qual ninguém podia entrar ninguém podia conferir esse número”. Alastra-se a partir de tal discurso aquele elitismo de defesa das áreas tidas como civilizadas, ou seja, “castelos neo-feudais, [...] enclaves fortificados” (Santos 2010, 45) das classes privilegiadas, na qual a circulação é controlada, mas com o objetivo de proteger aqueles indivíduos ricos dos conflitos urbanos, esses que as classes mais pobres são obrigadas a enfrentar.

Essa tentativa de desqualificação não tem como origem apenas as instâncias oficiais envolvidas, mas também a mídia tradicional. Em blog vinculado à revista Veja, sugere-se que existia uma “milícia ideológica” (Azevedo, 2012) que dominava área da comunidade. Sem nenhuma fonte exata ou relato específico o autor do blog se coloca ao lado da “verdade”: “a verdade liberta, sempre. A mentira mata em silêncio”. Importante salientar, que o título do texto postado é “Você não verá na imprensa politicamente correta”. Tal título se compreende ao ler alguns artigos publicados na revista Veja pelo autor do blog. Termos como “esquerdopata”, “esquerdismo bocó”, “ideólogo” repetem-se, assim como “petistas”. Torna-se explicita a posição do autor como “oposição” na tradicional batalha entre os que estão no poder e os que querem o poder. Tal posição coloca-o na situação de “provocador”, antes figurada pelos atuais governantes. Ou, como já mostrado, daquele que supostamente está ao lado da verdade, não da ideologia. Importante salientar que tanto esquerda quanto direita mantêm-se vivas devido à democracia representativa, aquela na qual os indivíduos não podem tomar decisões políticas efetivas e diretas (como no caso de uma ocupação), mas meramente podem optar por um político profissional para representá-los. Na tradicional batalha entre esquerda e direita, entre políticos e ideólogos profissionais de ambos os lados, a população acaba subordinada e suas lutas tornam-se plataformas partidárias, ao serem criticadas ou mesmo defendidas. Dessa forma, ressalta-se que a defesa dos interesses das pessoas moradoras da comunidade Pinheirinho não está associada diretamente à legitimação de todos os grupos e práticas presentes no local. “A diversidade moral define a condição humana” (Engelhardt 2009, 26). O moralmente ilegítimo encontra-se em grupos ricos e pobres, condomínios fechados na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro ou em Alphaville em São Paulo, ou nas favelas e ocupações urbanas. A ilegitimidade de algumas ações, como o suposto pagamento a uma “milícia ideológica”, não torna o interesse por moradia ilegítimo. Como também não torna ilegítimo o ato de adentrar em uma área abandonada, sem cumprir nenhuma função social, e solucionar o problema de moradia de milhares de pessoas.

Ao tentar não personificar o caso sob a figura do especulador envolvido em fraudes e corrupção, ou mesmo não remeter à infrutífera batalha entre esquerda e direita pelo controle de um sistema político no qual a defesa dos interesses da população pobre não é questão relevante, o que se apresenta é o modelo de cidade global. Aquele que expulsa de suas moradias os grupos mais suscetíveis, ou seja, os grupos mais pobres, de acordo com interesses financeiros de grupos privilegiados. O caso de Pinheirinho pode ser compreendido como o mais próximo do extremo dentre diversos casos, como o do bairro da Luz em São Paulo e das ocupações e favelas desalojadas e parcialmente removidas no Rio de Janeiro.

Os casos citados possuem em comum diversas denúncias de inconstitucionalidade e violação de direitos humanos, mas seu desenvolvimento é mantido. Tais casos exemplificam a formação do campo: espaço de suspensão do ordenamento normal e a “materialização do estado de exceção” (Agamben 2002, 181). Sobre o campo “qualquer questionamento sobre a legalidade ou ilegalidade daquilo que nele sucede é simplesmente desprovido de sentido” (Id, 177). Ele está fora do ordenamento jurídico normal, mas como espaço no qual o estado de exceção é permanente, o que o comanda é a decisão soberana sobre as vidas presentes nesse campo. Seus soberanos provisórios são os policiais com seus sprays de pimenta, bombas de efeito moral, armas não letais e letais.

O caso Pinheirinho é um exemplo efetivo de campo. Nele “se cometam ou não atrocidades não depende do direito, mas somente da civilidade e do senso ético da polícia que age provisoriamente como soberana” (Id, 181). Nesse sentido, a imprensa foi impossibilitada de entrar na comunidade durante o processo de desalojo. Segundo um membro da polícia militar em vídeo divulgado pelo sítio virtual Passa Palavra tal impedimento se deu por “questão de segurança” 14. Dessa forma, busca-se a instituição de um espaço no qual o que se comete por meio da decisão soberana policial não repercute na estrutura política “democrática”. No entanto, os vídeos da tamanha desproporção da ação policial em ataques nas zonas de triagem criadas pela própria prefeitura e nos abrigos improvisados, assim como os vídeos feitos pelas pessoas dentro da comunidade, expuseram o cerne da democracia representativa brasileira, aquela que se apóia em um poder soberano, que decide sobre vida e morte das pessoas.

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